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Festas de Fim de Ano: O Risco Oculto da 'Felicidade Obrigatória'

  • Foto do escritor: Natalia Varga
    Natalia Varga
  • 19 de dez.
  • 5 min de leitura


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O final do ano chegou, e com ele, surge o combo de expectativas sociais: celebrar, confraternizar e, acima de tudo, estar feliz. Mas e se, ao contrário da euforia geral, você se sente sem ânimo ou até mesmo ansioso(a)? Saiba que você não está sozinho(a).


Você integra um grupo significativo de pessoas que não vivenciam esta época com leveza e acabam se sentindo compelidas a performar a alegria exigida pela ocasião. É a sutil e perigosa "Felicidade Obrigatória".


O último mês do ano traz consigo a agenda lotada de confraternizações, o happy hour da empresa e os inevitáveis encontros familiares. Na superfície, tudo parece uma ótima chance de conexão e diversão. Contudo, para muitos, fatores como fobia social, ansiedade, depressão, neurodivergência, traumas, lutos não processados, perdas recentes, ou mesmo as cobranças de metas e resoluções não cumpridas, podem transformar esses eventos em uma verdadeira tortura emocional.


Para além do diagnóstico, vamos entender a complexidade desse grupo de pessoas e aprofundar a discussão sobre o risco oculto da 'Felicidade Obrigatória'.


Transtornos mentais e Neurodivergência


Indivíduos com transtornos mentais ou neurodivergentes (como no Transtorno do Espectro Autista - TEA, TDAH, entre outros) possuem um funcionamento cerebral atípico, o que naturalmente altera a forma como processam e reagem a situações sociais. O desconforto provocado pelas festividades pode ser multifacetado e vir de fontes muito específicas.


A seguir, detalhamos alguns dos desafios mais comuns enfrentados por esses grupos, onde a "Felicidade Obrigatória" colide com as necessidades psíquicas e sensoriais:


  • Hipersensibilidade Sensorial: Pessoas com hipersensibilidade (especialmente auditiva) podem ter crises devido à sobrecarga de estímulos. O volume elevado de músicas, o burburinho das conversas e, claro, os fogos de artifício no final do ano, ativam intensamente o sistema de alerta, causando dor e sofrimento físico/emocional.

  • Seletividade Alimentar: Compartilhar refeições fora de casa é um desafio significativo. Muitas vezes, a falta de intimidade impede a comunicação clara das restrições alimentares aos anfitriões. Isso pode levar à ingestão forçada de alimentos (causando enjoo) ou à exposição a comentários invasivos e críticas sobre os hábitos alimentares.

  • Ansiedade Social e Fobias: O enfrentamento de grandes grupos em confraternizações ou festas gera ansiedade paralisante e intenso sofrimento. Indivíduos com Síndrome do Pânico, por exemplo, podem até ter o desejo de participar, mas o medo de terem uma crise em um ambiente fechado e lotado os impede de comparecer. O excesso de euforia e estímulos externos agrava o sistema de alerta.

  • Depressão e Isolamento: O peso da tristeza e a tendência ao isolamento, característicos da depressão, tornam a exigência de celebração dolorosa ou impossível de ser cumprida. A pessoa pode sentir-se mais deslocada e incapaz de interagir.


Em suma, a dificuldade dessas pessoas reside em lidar com questões particulares e não negociáveis, que muitas vezes, quando são compartilhadas com familiares e amigos, são recebidas com falta de empatia, críticas e comentários que causam prejuízo emocional.


Luto e relações familiares


A exigência de ser feliz nas festas de fim de ano é um convite à superficialidade relacional e ao desgaste emocional. O medo da crítica e a dificuldade em estabelecer limites ('dizer não') levam muitos a comparecerem aos eventos, engajarem-se em conversas vazias e, posteriormente, enfrentarem um profundo cansaço mental.


O processo de luto demanda tempo e um espaço seguro para ser vivenciado. É um período duplamente desafiador quando a tristeza da perda de um ente querido colide com a atmosfera de celebração e a necessidade de reviver momentos passados em datas comemorativas.

É comum, em contextos terapêuticos, recebermos relatos de pessoas enlutadas que se sentem pressionadas por comentários desconfortáveis de familiares ou amigos. Frases que forçam a pessoa a "parecer feliz" ou a "seguir em frente rapidamente" invalidam a dor e o ritmo individual do luto, aumentando o sofrimento.


As redes sociais exibem incessantemente fotos e vídeos de famílias reunidas, celebrando a felicidade idealizada. No entanto, a realidade é outra para quem perdeu entes queridos ou para quem não possui boas relações com os parentes próximos. Nesses casos, a obrigatoriedade da felicidade é uma fantasia inatingível.


Quando as dinâmicas familiares são disfuncionais ou tensas, muitos pacientes relatam passar semanas lidando com o impacto negativo desses encontros na saúde mental. O período de festas se torna, assim, um campo minado e rico em gatilhos para a ansiedade, a depressão e o ressurgimento de traumas antigos.


Como lidar com a “Felicidade obrigatória”?


Após explorarmos como a "Felicidade Obrigatória" impõe um custo emocional e atua como gatilho para o desgaste psíquico em pessoas que lidam com luto, transtornos ou neurodivergência, a boa notícia é que o manejo dessa pressão é totalmente possível.


A chave reside no autocuidado estratégico. Apresentamos a seguir três pilares essenciais para minimizar o impacto negativo das festividades e proteger sua saúde mental:


1. Abrace o Autoconhecimento e a Autocompaixão

O primeiro passo é a consciência plena do seu funcionamento, idealmente com o suporte da psicoterapia ou de práticas reflexivas de autoconhecimento. Identificar seus limites, reconhecer seus gatilhos e saber com o que você terá que lidar é crucial para o manejo preventivo do estresse.

Além disso, pratique a autocompaixão: trate-se com a mesma gentileza e respeito que você ofereceria a um amigo querido, validando suas emoções e respeitando sua individualidade. Seu bem-estar é prioridade, não a expectativa alheia.


2. Planejamento Estratégico: Ajustando o Roteiro

Com a clareza de suas limitações, o próximo passo é planejar ajustes práticos que transformem a experiência social, minimizando o desconforto e garantindo que suas necessidades sejam atendidas.


  • Gestão Alimentar: Leve pratos de comida que atendam às suas restrições (como a seletividade alimentar). É uma forma de contribuir para a refeição e, ao mesmo tempo, garantir seu conforto alimentar.

  • Estabeleça Limites de Tempo: Reduza o tempo de permanência nos eventos. Uma participação de menor duração é uma estratégia eficaz para evitar a sobrecarga de estímulos e a exaustão emocional.

  • Crie "Zonas de Recarga": Faça pequenas pausas estratégicas na socialização. Use o tempo de ir ao banheiro ou de uma saída rápida ao ar livre para realizar treinos de respiração e escaneamento corporal, reconectando-se com seu próprio corpo e regulando o sistema nervoso.

  • Comunicação Estratégica: Faça combinados prévios com pessoas de confiança (amigos ou familiares) que estarão no evento, estabelecendo um sinal ou um horário de encerramento para buscar apoio.

  • Rede de Apoio: Escolha pessoas para conversar sobre sua condição ou seus desafios; o suporte social é um pilar importante da saúde mental.


3. O Poder do "Não" e a Ressignificação


É fundamental reconhecer que dizer "não" é um ato de autoproteção e não de egoísmo. Não se sinta compelido(a) a comparecer a eventos onde os ajustes são inviáveis ou onde o custo emocional será superior à sua capacidade de suportar.

Caso decida não participar, lembre-se que você tem o poder de ressignificar as datas comemorativas, criando seus próprios rituais de celebração que estejam alinhados com suas necessidades e seu bem-estar, em vez de seguir um script imposto.


Conclusão


Respeitar quem você é e o momento que está vivenciando é o primeiro passo para que os outros também o façam. Sentir-se infeliz, apático ou ansioso não é um "defeito" a ser corrigido pela alegria forçada, mas sim um indicativo emocional de que algo precisa de atenção ou acolhimento. É natural do ser humano!

Assim como é natural termos diferenças na nossa forma de ser, buscar conviver com elas é fundamental para a construção de uma sociedade mais inclusiva, empática e respeitosa com as questões emocionais.

 


 
 
 
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